10 de dezembro de 2008

A Humanidade Parou


Quando a humanidade parou, uma das primeiras pessoas a perceber o fato foi Nicholas Marinho da Usina Hidrelétrica de São Jorge, logo nos primeiros dias quando os geradores funcionavam a todo vapor, mas ainda assim não se conseguia extrair energia elétrica funcional de nenhum deles, como engenheiro chefe, Nicholas afirmou que os geradores estavam perfeitos e funcionando, o que ninguém pôde explicar foi porque motivo a energia elétrica não funcionava, a eletricidade passou a ser uma energia que podia ser medida e analisada, mas simplesmente não servia mais pra nada, nada de eletrônico funcionava, inicialmente a noticia foi passada como uma singularidade simples que seria logo resolvida, Nicholas no primeiro dia do apagão geral passou a tarde e quase a noite inteira tentando dar explicações para os vizinhos que o cobravam como se ele fosse o responsável por tudo. As noticias demoraram a chegar já que os meios de comunicação estavam sofrendo graves problemas de funcionamento, mas em poucos dias estava confirmado de que aquilo era um evento mundial e inexplicável.

Naquela primeira noite o pequeno Jorge Marinho com cinco anos de idade esperou pelo seu pai até tarde, estava morrendo de medo do escuro total que chegou junto com a noite e a falta de energia, seu pai chegou e se sentiu feliz por estar com a família, ainda assim teve que fazer uma última explicação rápida para sua esposa sobre o fato que estava ocorrendo, em poucos dias não era preciso dizer mais nada, aquilo tudo já passava a ser o único assunto recorrente na vida de todas as pessoas e já se falava que não havia solução. Nicholas há semanas sem ir ao trabalho já havia perdido as esperanças de qualquer tentativa na usina, olhou para seu filho e pensou como seria se aquela situação não fosse mesmo resolvida, desde aquele dia na usina a humanidade havia parado. Haveria escolas funcionando nos próximos meses? Haveria trabalho, objetivos, expectativas? Será que existiria vida?


Passando se dias e meses a crise se instalou rapidamente em nível mundial. Líderes investiam tudo para solucionar o problema, mas não havia como se fazer pesquisas aprofundadas, nem espalhar informações pelo mundo, nem se fazer cálculos ou testes computadorizados, não havia patrocínio ou financiamento suficiente para colocar um fim a situação. O próprio dinheiro foi perdendo seu valor e em pouco tempo já não se falava em crise econômica, pois não havia um padrão de estabilidade pra que se pudesse comparar e perceber se estava abaixo ou acima da média, após uns anos, quando a maioria dos cientistas e pesquisadores haviam se dado por vencido em restaurar a funcionalidade da energia elétrica, os esforços foram sendo redirecionados em outro tipo de pesquisa: a explicação.

Agora a necessidade da raça humana era saber o porquê de tudo isso, como e quando aquele evento havia começado já estava escrito e relatado nos diários e livros datilografados dos historiadores, mas era o objetivo principal dos intelectuais, explicar aquilo e relatar para as gerações futuras que certamente solucionariam o caso. Enquanto a comunidade cientifica se dividia entre os poucos que buscavam solucionar o problema e os outros que buscavam inventar formas alternativas de energia, mas sem nenhum progresso de nenhuma das partes, a humanidade foi encontrando a solução para se viver através de um retrocesso tecnológico, já que a maioria das coisas mecânicas e analógicas ainda funcionavam, as pessoas do mundo moderno encontraram sentido na vida abrindo mão das tecnologias mais modernas.


Nicholas se mudou para uma cidade no interior e começou a trabalhar numa marcenaria, como fazia seu avô, Jorge foi crescendo e aprendendo junto com seu pai a viver num mundo sem energia elétrica.


Em alguns anos, as novas gerações já nascendo preparadas para viver num mundo mecânico, ouviam maravilhadas as histórias de seus pais e avós sobre computadores, telefones, televisores e aparelhos de alta tecnologia que para eles eram inimagináveis, agora os poucos objetos que não haviam sido reciclados ou jogados fora já não passavam de objetos estranhos ou peças de museus, foram todos excluídos da vida das pessoas para darem lugar a outros objetos, que agora eram a reinvenção de coisas do passado que para a geração anterior eram velharias, mas para a nova geração já eram bens necessários, e assim Nicholas chegando aos 50 anos, via seu filho adulto vivendo bem e trabalhando, lembrava que um dia chegou a pensar que a humanidade estava a ponto de parar, agora nem mesmo podia imaginar como estaria o mundo se o acaso e o inexplicável não tivesse dado um freio no avanço tecnológico, sentia-se feliz, pois ele mesmo e sua esposa estavam um tanto saudável para a idade e tinha certeza que seu filho viveria muito bem e não precisava de toda aquela porcaria eletrônica que ele comprava aos montes quando era mais jovem.

A humanidade estava realmente longe de parar, as pessoas pelas ruas iam trabalhar em profissões que há séculos atrás tinham deixado de existir, o trabalho tinha valor, assim como o dinheiro, a estabilidade econômica, os objetos, a vida, os carros movidos a vapor ou combustível, a comunicação funcionava em meios antiquados, mas era bem funcional, as empresas e fábricas funcionavam em sua maioria até a hora do pôr-do-sol, as lojas, o trabalho, o consumismo. Tudo estava normal e qualquer idéia sobre coisas eletrônicas e super modernas já pareciam historias fantásticas que ninguém mais queria ouvir, e se havia algo que a nova geração possuía de melhor era a vantagem de ver o pôr-do-sol todos os dias quando voltavam do trabalho, e também tinham a carga horária muito menor para a maioria das profissões, mas nem mesmo sabiam que isso era uma vantagem tão grande e de qualquer forma muitos reclamavam que trabalhavam demais e contavam os dias para um feriado ou fim de semana, para a tão estimada reunião com a família, o bate papo com os amigos, o futebol no domingo, a praia e o passeio de carro para os que tinham melhor condição financeira, pois agora os carros passavam a ter um preço muito maior e também um custo absurdo para se manterem funcionando já que o combustível agora era uma das principais fontes de energia, o seu consumo foi aumentando cada vez mais e foi se tornando mais valioso a cada ano, a medida que ia se tornando mais raro e escasso, chegou a uma época em que não se usavam mais carros movidos a combustível, haviam modelos movidos a vapor mas esses eram poucos, a maioria eram de tração animal e o petróleo era salvo para outras necessidades como máquinas de grandes indústrias.


Nicholas faleceu muitos anos antes de poder cogitar alguma idéia sobre a escassez do petróleo, mas Jorge que agora já beirava os 70 anos de idade e tinha 2 filhas, havia herdado de seu pai a mania de cogitar teorias sobre o futuro e começou a pensar sobre como seria a vida se o petróleo realmente acabasse nos próximos 20 anos como diziam as noticias, “em 20 anos já estarei morto”, pensou, mas não podia deixar de pensar que era algo preocupante para sua família e as próximas gerações, não que a humanidade fosse parar, nisso ele não acreditava pois desde pequeno já tinha visto coisa pior acontecer a humanidade, mas sentia um desgosto por todos os seres humanos, parecia ser da natureza humana consumir até os últimos recursos e depois ficar se lamentando em desespero, mas esse parecia ser a única forma de se viver afinal, sem consumir a vida pára.


Os anos foram passando e o inevitável se aproximava cada vez mais rápido, 19 anos depois dos primeiros boatos sobre a extinção do petróleo, aconteceu que os Estados Unidos da América foi declarado como o primeiro país do mundo a esgotar todas as suas reservas de petróleo, mas isso não parecia ser motivo de pânico pois sendo um dos países mais ricos do mundo, os EUA mantiveram relações diplomáticas e importaram o combustível de países vizinhos, o presidente americano declarou que agora o pais precisava de petróleo mais do que nunca pois estava usando todos os recursos em pesquisas para meios alternativos de energia.

Nos meses seguintes, a China declarou o esgotamento de suas reservas quando os Estados Unidos pediu auxilio nas pesquisas. A extinção do petróleo já era uma realidade e vários países foram esgotando suas reservas um a um. Os países com mais petróleos eram na maioria países do terceiro mundo, e a sorte de possuir mais reservas naturais não se tratava de poder econômico, raça predominante ou posição geográfica, com a crise do petróleo muitos políticos viram na situação a oportunidade de fazer prosperar seus países através da negociação e exportação para os países mais ricos, mas em tempos de crise econômica gerada pela escassez do petróleo nem todos os países estavam dispostos a negociar.

Jorge Marinho estava saudável aos 89 anos de idade, longevidade adquirida graças à vida tranqüila no interior e a reduzida carga de trabalho, quando ouviu as noticias sobre a guerra que havia começado no outro lado do mundo, sentiu um aperto no coração, há uns 20 anos que se ouvia falar muito sobre o esgotamento do petróleo, muito se falou e muito se propôs sobre medidas alternativas e meios de economizar, para se viver melhor e salvar o mundo para as futuras gerações, mas agora o que se ouvia falar era sobre uma crise mundial, o racionamento de combustível havia interferido diretamente na vida das pessoas e já fazia algum tempo que o governo havia declarado estado de emergência nas grandes cidades.

A guerra começou silenciosa, no inicio era uma revolta civil, um conflito racial entre pessoas de outros países que haviam se mudado devido à crise do petróleo, depois um ataque em resposta a revolta civil, depois uma invasão justificada como resposta ao ataque e meses depois era guerra declarada. Demorou quase um ano para as pessoas se darem conta de que era a terceira guerra mundial. Jorge Marinho, ele mesmo só se deu conta quando os veículos militares atingiram o asfalto até mesmo na pequena cidade onde ele morava, nunca tinha visto tantos motores ligados ao mesmo tempo, afinal o petróleo não havia acabado por completo, na verdade o fato de se ter pouco causou a guerra e em seguida o pouco que sobrou foi usado nela, enfim, a humanidade não parou, em momento algum.