
O próprio termo já elimina a possibilidade de haver culpados, mas descrever um acidente de trânsito sem apontar culpados é quase impossível, principalmente quando se está envolvido nele, como era o caso de Jonas. Contava ele, na oficina de motos do Manoel, que a culpa foi toda do motorista do Fusca Azul. Com o retrovisor quebrado na mão direita e gesticulando com a outra ele fazia pose como se estivesse na moto enquanto contava o caso e se alterava, aumentando o tom de voz e perdendo a calma principalmente na parte em que dizia como o Fusca Azul se aproximou em alta velocidade pela esquerda e impediu que ele desviasse do ônibus, Jonas lembrava exatamente de tudo que viu no segundo em que aconteceu e tinha certeza que o motorista do Fusca Azul (definido por ele como "safado") tinha fechado ele por maldade.
- Porque ele faria isso? - Perguntou Manoel, com aquele ar de descaso enquanto encaixava o retrovisor novo na moto de Jonas.
- Não sei! - Respondeu Jonas - Porque é um filho da puta! Se eu não tivesse sido bom pra desviar do ônibus eu tinha entrado na traseira dele, mesmo assim meu retrovisor ficou no ônibus e eu ainda bati o braço, tá doendo até agora, essa porra! - Disse Jonas, quase gritando com a mão no cotovelo direito.
- Graças a Deus não aconteceu nada de grave né? - Falou Manoel, olhando pra calculadora - O retrovisor original é R$ 33.50, como só vende o par eu faço pra você por R$ 65,00, incluindo a mão de obra.
- Sessenta e cinco conto?? - Jonas gritou arregalando os olhos - Puta que pariu! Eu mato esse filho da puta. Você ainda diz que não aconteceu nada de grave?
- Nada de grave - Disse Manoel quase rindo - Imagina se não tivesse sido um ônibus.
Com isso Jonas concordou.
Mais tarde, na academia...
- Mas eu fui bom sim! - disse Jonas para o treinador - Eu nem cheguei a cair nem nada, só quebrou o retrovisor e eu bati o braço, se fosse outro teria batido atrás do ônibus ou não teria aguentado a dor, mas eu aguentei, é que agora ainda tá doendo um pouco - Explicou Jonas.
- Tá, então tá dispensado hoje - Disse o treinador colocando a mão atrás do ombro de Jonas.
- Não! - Jonas levantou e falou rapidamente - Mas eu quero treinar!
- Não vai treinar sem fazer exercícios - Disse o treinador quase empurrando o Jonas - Vai pra casa, descansa e vê se vai no médico ver esse braço viu! Senão você vai morrer com esse braço. - Acrescentou ele rindo.
- Que morrer o que! - Falou Jonas, já perdendo a paciência - Não foi nada de grave, não!
- Graças a Deus que não foi nada grave né? - O treinador dizia isso já encostando a grade da academia, enquanto Jonas ía saindo.
Jonas acabou cedendo ao pedido do treinador porque sabia muito bem que ele era experiente, mas Jonas queria mesmo era lutar no tatame, descontar a raiva de alguma forma, mas acabou indo pra casa dirigindo a moto com segurança pela faixa da direita, olhava atento pra todos os carros procurando o Fusca Azul, as imagens se repetiam na mente dele e ele podia lembrar bem do Fusca que era um pouco clássico, com detalhes prateados e faróis traseiros no estilo do Fusca mais antigo, ele tinha certeza que já tinha visto esse carro antes pois o movimento daquela rua era na maioria composto por carros do bairro, mas Jonas nunca tinha prestado atenção no motorista, mas de uma coisa ele tinha certeza:
- Na próxima vez que eu ver esse Fusca, ele vai ver como poderia ter acontecido algo grave, não tem outro Fusca Azul daquele andando por aqui - pensou ele.
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Otávio chegou cedo no consultório para ser o primeiro a ser atendido, rezando para que o dentista não precisasse usar aquela máquina com um barulho assutador que usou da última vez, ficou tentando lembrar algum fato para justificar a infecção quando o dentista lhe deu a notícia, o dentista perguntou se ele tinha cachorro ou se tinha tido contato com algum animal, ou comido alguma comida de fonte duvidosa, Otávio garantiu que odiava cachorros ou qualquer animais de estimação e que tinha uma alimentação saudável.
- Eu notei que você tem o hábito de roer as unhas - disse o dentista - Você por acaso teve contato com alguma sujeira ou substância química nas últimas semanas?
Otávio fez uma pausa olhando para o nada e um fato lhe ocorreu, mas era uma história tão absurda que ele jamais contaria para alguém.
- Não que eu me lembre - Respondeu Otávio.
- É estranho - disse o dentista - Até porque a primeira vez que você veio aqui umas semanas atrás a sua boca não estava com esse sangramento.
- É verdade, começou depois da consulta. - Otávio já insinuava a culpa do dentista.
- Pois é Otávio - continuou o dentista - Após certos procedimentos como aquele que eu fiz em você, a boca pode ficar fragilizada por alguns dias. É provável que você tenha contraído alguma bactéria, via oral.
Otávio pensou mais uma vez no fato que havia ocorrido no banheiro na semana retrasada, depois pensou melhor e falou que não se lembrava de nada fora do comum.
- Mas, enfim.. - Disse Otávio querendo mudar de assunto - o que pode ser feito agora?
- Não se preocupe, vamos marcar uns exames, por enquanto vou te passar uns antibióticos.
Assim ficou definido e Otávio não quis mais tocar naquele assunto, também tinha que ir embora logo pra não chegar muito tarde no trabalho, desceu as escadas com pressa e entrou no carro, dirigiu para o trabalho mais rápido do que o normal, não queria chegar atrasado demais pois todos iriam reparar.
Otávio era tímido e não gostava de chamar atenção, e também quanto mais tarde chegasse, menor era a chance de encontrar uma boa vaga pra estacionar o carro, ele tinha medo de deixar em um lugar qualquer e alguém fazer alguma coisa com o Fusca Azul 76 que pertenceu ao pai dele, super conservado sem nenhuma melhoria visual moderna, tudo no estilo clássico com detalhes prateados e tudo.Otávio tinha o máximo cuidado com esse Fusca Azul, mas naquela manhã ele estava além de apressado, distraído pensando sobre a bactéria na boca dele, naquela altura ele já tinha certeza que a bactéria havia surgido do vaso sanitário do banheiro aonde ele trabalhava.
- Meu Deus, eu poderia até processá-los! - Pensou ele - Mas como explicar uma coisa dessas?
Otávio se imaginou em um tribunal contando o caso na frente do júri:
- O que acontece é que aquele banheiro nunca funcionou muito bem, e naquele dia eu fui no banheiro porque estava muito apertado, pois, normalmente eu não vou nesse banheiro, mas nesse dia eu precisava muito.. você sabe.. - Como ele diria isso pro júri? Sempre achou a palavra "defecar" mais feia do que qualquer gíria.
- O que aconteceu foi que a descarga não funcionava, então eu prontamente tive uma idéia - Otávio até se orgulhava da idéia que ele julgava genial - eu peguei o cesto de lixo, tirei o saco que por sinal estava bem cheio e isso já é contato suficiente para eu me infectar, então eu tentei colocar na torneira do lavatório, mas eu notei que o cesto não cabia embaixo da torneira, quero dizer.. ele encheu até a metade de água, mas quando eu fui tirar de debaixo da torneira ele enganchou e derramou toda a água, molhou até minha calça pois eu estava enconstado no lavatório, então eu tive minha segunda idéia, veja o que eu fiz, embaixo do lavatório, no cano do ralo tinha um desses reservatórios, sabe? Desses que parecem um copo e ficam na curva do cano pra reter sujeiras que descem pelo ralo. Então eu o tirei para a água do ralo cair no cesto de lixo e na hora que eu fiz isso caiu muita sujeira de dentro dele, direto na minha mão! - Otávio faria uma pausa e olharia pro júri que com certeza já teria se convencido que a bactéria havia sido contraída de lá.
No entanto Otávio ainda precisaria concluir a história e nisso entraria numa parte mais absurda.
- Tá, eu admito - Otávio se daria por vencido - Quando eu enchi o cesto de lixo com a água que descia pelo ralo do lavatório, eu a usei pra dar uma descarga manual, mas depois de dois cestos cheios de água ainda ficou uma última... como eu poderia dizer? Uma última "coisa"!
O júri inteiro se espantaria com isso - Essa última "coisa" não desceria de jeito nenhum, então eu enfiei minha mão no vaso sanitário, quase vomitando e a peguei com cuidado, sem fechar muito a mão, - Otávio diria isso gesticulando - Então eu peguei o saco de lixo que já estava bem cheio, levantei a "coisa" e falei com convicção: "Morra!" Então a soquei dentro do saco de lixo, mas depois disso eu lavei bem a mão, repetidas vezes.
Otávio continuou dirigindo e resolveu esquecer a idéia de processar a empresa. Era melhor esquecer o assunto, não deveria ser nada de muito grave, além do mais nada comprovava que aquela bactéria era do banheiro, ele pensou bem e concluiu que é normal a pessoa sujar as mãos e tudo que podia ser feito era lavá-las.
Chegando a sala em que trabalhava, sua colega de trabalho, Ana, que se sentava na mesa ao lado da dele logo perguntou sobre a consulta, Otávio tinha avisado a ela que iria ao dentista, só pra ela, pois era a única pessoa que ele conversava no trabalho, ele falou poucas palavras sobre a possível bactéria mas não entrou em detalhes. Pouco depois um colega de trabalho disse que todos iriam sair para algum lugar, pois afinal era sexta-feira, Otávio nem considerou a idéia de ir, até que Ana disse que era uma ótima idéia e chamou ele pra ir também.
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- Pois se isso é comigo, eu ía atrás do cara e quebrava a cara dele, arrancava ele pela janela do Fusca e metia a cara dele no asfalto, chutava tanto a barriga dele que ele ía ficar mijando sangue na calçada até a ambulância chegar - Dizia Maurício sentado ao lado de Jonas na mesa do bar, Maurício era um lutador que treinava com Jonas e quando ouviu a história do acidente não acreditou que tinha ficado por isso mesmo.
- Eu não deixei pra lá! - Insistiu Jonas - Eu apenas tive que parar porque meu retrovisor quebrou e eu segurei todo o impacto no braço - Jonas falou isso com orgulho - Daí eu atravessei a rua ainda com o embalo da moto e parei pra ver o estrago, então eu vi o retrovisor quebrado e meu braço começou a doer, daí quando eu percebi, tinha começado a chover e por acaso eu tinha parado embaixo de uma árvore, então eu fiquei lá mesmo esperando a chuva passar pra continuar.
- Esperando a chuva passar? - Maurício perguntou, incrédulo.
- É! - Disse Jonas, já se alterando - Eu tava esperando a chuva passar, porque? Qual o problema? Olha não me enche o saco, eu tive um dia difícil.
- Relaxa - Maurício falou batendo com a palma no ombro dele - Desce outra garrafa aí, mano! - Gritou pro barman, batendo no balcão, isso chamou a atenção de um outro grupo de amigos numa mesa, entre eles estava um sujeito chamado Chico, com quase 2 metros de altura, ele era um brigão do bairro que treinava junto com Jonas a muito tempo atrás, tinha ido para o interior e voltado a pouco tempo.
Chico tinha uma briga antiga com Jonas e na última vez que eles quase se mataram, a policia foi acionada por alguém que estava no bar, Chico quase foi preso mas conseguiu fugir, tinha ido para o interior pra sumir por um tempo e fugir dos policiais que não deixavam ele em paz.
- Quer dizer que no interiorzão lá não tinha ação nenhuma? - perguntou um amigo de Chico - Você nem treinava lá?
- Lá nem tinha academia - Respondeu Chico.
- Nossa, esse lugar deve ser uma bosta - Falou um outro amigo de Chico, na mesa.
- Não fala merda da terra do meu pai não, ouviu? - Chico falou isso quase gritando, se levantando com raiva.
- Opa, calma aí pessoal, - falou outro amigo de Chico - Se você quer ação, vai ter daqui a pouco, já viu quem tá ali no balcão?
- Eeeita.. - Falaram todos na mesa, ao mesmo tempo. Menos Chico, que ficou olhando para Jonas que estava logo ali sentado no balcão.
- Eu já vi esse verme hoje - Afirmou Chico - Eu passei de carro e ele tava parado embaixo duma árvore esperando a chuva passar, parece até que o safado sabia que eu ia passar ali, porque ficou parado bem em frente a delegacia. - Falou Chico, depois deu um gole na cerveja. - Olha, eu juro que eu tinha acabado com ele se não fosse por isso, eu só queria passar por ele na rua, eu de carro e ele de moto, no outro dia vocês iam ver a notícia "motoqueiro morre em acidente de trânsito".
Todo mundo ficou em silêncio por uns segundos, apesar de toda a atração que eles tinham por briga, nenhum deles pensava em matar o Jonas, além do mais o olhar de Chico era assustador, dava pra ver que ele realmente falava sério e a vingança dele não se tratava em dar uma surra ou quebrar a moto dele, ele queria matar o Jonas
- Bem, ainda bem que você não matou ele - Disse um deles, tentando quebrar o clima tenso - Afinal você deixou um pouco de diversão pra gente aqui hoje.
Do outro lado do bar, no balcão, estavam Jonas, Maurício e outro amigo que havia chegado ainda há pouco dizendo que quase a academia inteira iria aparecer por lá, Maurício ficou muito empolgado com a notícia, principalmente porque já havia notado a mesa aonde estavam Chico e mais cinco amigos deles, pra Jonas parecia bem conveniente pra descontar a raiva, uma boa briga de bar com um velho conhecido, mas ele só conseguia pensar no Fusca Azul, depois de beber umas 6 garrafas de cerveja, ele ficava no balcão, querendo reviver o assunto com Maurício, mas sabia que já tinha falado muito sobre aquilo e Maurício só falava sobre o Chico e os amigos dele na outra mesa.
- Hoje vai ter treta! - dizia Maurício, animado - não falei que você tinha que vir, nada acontece por acaso. Hoje vai ter treta!
Nessa hora Jonas olhou para um vidro de um armário que ficava atrás do barman e viu o reflexo da porta do bar que ficava logo atrás dele, no reflexo ele viu claramente um carro azul estacionando, se virou tão rápido que sentiu uma leve tontura, quando percebeu, confirmou, quase não pôde acreditar, o Fusca Azul do acidente tinha estacionado bem ali, a porta se abriu e ele falou:
- Nada acontece por acaso, você tem razão.
Jonas colocou o copo no balcão com tanta força que o trincou, se levantou e foi em direção a porta, Maurício viu o Fusca Azul, Jonas se apressou para chegar até ele antes que ele entrasse no bar, assim ele poderia se sentir mais a vontade sem o perigo do dono do bar mandar eles saírem, a porta do Fusca se abriu e o motorista saiu, Jonas desacelerou o passo quando viu a figura franzina usando óculos. Maurício colocou as mãos na cabeça quase em desespero e pensou: "Mas que merda, coitado desse cara!". Jonas não se desmotivou pelo porte do seu recém-adquirido inimigo, dono do Fusca Azul, ele apenas se decepcionou por ter constatado que não haveria briga nenhuma. Maurício alcançou Jonas e o segurou pelo braço dizendo num esforço inútil pra ele deixar pra lá, enquanto isso a porta do passageiro se abria e descia uma garota com o mesmo porte físico do motorista.
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Depois de um dia tranquilo de trabalho, Otávio saiu com o pessoal do trabalho, ele já tinha pensado em todas as desculpas possiveis para não ir, mas acabou aceitando só porque a Ana havia chamado, na hora de dividir as pessoas entre os carros acabou sobrando apenas a Ana pra ele levar, Otávio ficou feliz e honrado com isso, era a primeira vez que ele estava levando ela no Fusca Azul, - Nada acontece por acaso - Pensou ele, se não tivesse aceitado a idéia de sair ele não teria tido essa oportunidade de ficar tão perto dela. O que Otávio não tinha notado era a conspiração tão óbvia que todos tinham feito pra eles dois irem sozinhos no carro, todo mundo já tinha percebido a atração que os dois tinham um pelo outro, só que os dois eram tão tímidos que se ninguém desse um empurrão nunca aconteceria nada.
No caminho o motorista do outro carro ligou para a Ana e falou que tinha um bar mais a frente e eles tinham decidido que queriam parar lá pra ver como estava o clima.
- Pra mim parece uma droga - Disse a Ana quando Otávio estacionou o Fusca Azul - Olha.. tá cheio de "pitboys" ali.. olha essa música, é horrível.
Otávio achou engraçado e gostou dela mais ainda porque ele também tinha achado o mesmo.
- O que é um "pitboy" - Perguntou Otávio.
- Ah, deixa pra lá - Disse Ana - Ainda bem que eu peguei carona com você, assim a gente vai embora junto e eu não vou ter que esperar todo o pessoal do outro carro cairem de bêbados pra ir embora.
Otávio adorou essa frase: "a gente vai embora junto". Nada acontece por acaso - Pensou.
Otávio, saiu do Fusca e esperou Ana, apesar da notícia que teve de manhã da bactéria de privada que ele tinha na boca, o dia estava a caminho da perfeição, mas quando Ana abriu a porta e saiu do outro lado do Fusca, ele olhou pra ela sorrindo e hesitou por um momento.
- E se eu for beijar ela? - Pensou Otávio, mas logo pensou melhor e achou que isso já era sonho demais, ela nunca beijaria ele assim no primeiro encontro, além do mais a expressão de Ana nesse momento mudava enquanto ela olhava em direção ao bar, ela arregalava os olhos numa expressão assustadora e foi tudo tão rápido que quando ela gritou "cuidado!" Otávio se virou e só viu a estampa da camisa de um homem enorme que ía pra cima dele e o empurrava contra o fusca, Otávio não entendia nada, olhou para o rapaz que encarava ele serrando os dentes, com uma expressão assustadora de raiva, ele achou que era um assalto e por uns segundos ele ficou aliviado porque a Ana já tinha saído do carro e se afastou dando espaço para o indivíduo entrar no carro, mas ele não entrou, ele simplesmente deu um soco violento no retrovisor do fusca que foi arrancado com o impacto e saiu deslizando para dentro do bar. Ana se afastou tremendo, em pânico pegou o celular e discou para a polícia.
Dentro do bar Chico e seus amigos se levantavam em direção a confusão enquanto Maurício tentava segurar Jonas dizendo que não valia a pena, um dos amigos de Chico puxou Maurício para dentro do bar, Jonas se virou para Otávio fechando o punho cheio de sangue que acabava de cortar na hora em que bateu no espelho retrovisor, Ana estava sozinha olhando a cena, ficou paralisada quase chorando na hora que Jonas desferiu um soco bem no rosto de Otávio, Ana viu a cena como se estivesse em câmera lenta, os óculos de Otávio voaram para o alto, as pernas dele dobraram enquanto a cabeça dele rodava para um lado e ficou umas gotas de sangue pairando no ar enquanto Otávio ía pra trás caindo a mais de um metro de distância e ficou lá imóvel.
Derrepente uma pick-up estacionou e desceram quatro pessoas correndo, eram os amigos da academia que tinham acabado de chegar, dois deles seguraram Jonas enquanto os outros dois correram pra dentro do bar onde começava um confronto entre Maurício e os amigos de Chico, Ana chorava em desespero, segurando a cabeça de Otávio no meio da confusão enquanto ele estava estirado no chão, sua boca estava cheia de sangue e ele estava imóvel, uma correria terrível ao redor deles, Ana ignorava tudo com o celular no ouvido chamando uma ambulância, olhava para os lados procurando os outros amigos do trabalho que ainda não tinham chegado. Olhou para o agressor que tinha acabado de fazer aquilo, e ele estava ali no mesmo lugar enquanto um outro homem o segurava, ele nem olhava pra ela, agia como se tivesse feito uma coisa normal, nesse momento de dentro do bar apareceu um homem enorme que desferiu um soco bem no rosto do agressor, o homem que o segurava levou grande susto e acabou soltando ele que caiu mole no chão, Ana vendo tamanha violência se sentiu terrível, mas no fundo se sentiu vingada quando viu o agressor de Otávio no chão.
Maurício, de dentro do bar brigava com um dos amigos de Chico quando subitamente este saiu correndo, Maurício tentou localizar Chico no meio daquela confusão, quando olhou pra porta do bar viu Jonas desacordado sendo chutado por ele, bateu uma certa raiva mas não havia tempo pra agir, já dava pra ver as luzes azuis e vermelhas dos carros de polícia, Maurício tambem saiu correndo e em segundos o bar inteiro estava vazio.
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Jonas abriu os olhos lentamente e se percebeu sentado em uma superficie dura dentro de um carro em movimento, estava meio sonso com a cabeça doendo, ouviu alguém falar:
- Tá vendo? Ele acordou, não falei que não precisava de ambulância?
Outro alguem respondeu rindo:
- É mesmo, oh! É forte que nem um touro.
E os dois caíram em gargalhadas, Jonas olhou ao redor tentando entender a situação e logo descobriu estar dentro de um camburão de uma viatura policial. No banco da frente dois policiais pareciam rir dele.
- A gente te acordou? Desculpa aí, valentão! - Disse um deles rindo.
Chegando na delegacia, Jonas ficou sozinho numa cela pequena, ainda tentando organizar as idéias, em breve o pai dele iria dar um jeito de tirar ele dalí, olhou para o punho e viu o machucado com o sangue coagulado. Lembrou do soco que arrancou o retrovisor, com esse soco ele já tinha se sentido realizado, mas depois que se começa é dificil parar, pensou ele.
De qualquer forma o soco que ele deu na boca do motorista não tinha sido tão forte, ele teria dado um soco no olho se este não estivesse usando óculos, mas na boca tava bom, pensou, pelo menos ele vai se lembrar toda vez que sentir o gosto de ferro.
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Passou-se uma semana e Otávio ainda estava no hospital, pra completar, o dentista que também trabalhava naquele hospital já tinha sido informado sobre o estado de Otávio e fez um exame de sangue descobrindo a existência de uma bactéria e coduzindo um tratamento paralelo.
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Na delegacia, o pai de Jonas foi visitá-lo 3 dias depois do ocorrido, encontrou o filho abatido, anêmico e com olheiras.
- Eu estava viajando, só pude vir hoje - O pai de Jonas falava bruscamente sem muito sentimentalismo.
- Tudo bem, pai. Mas eu quero sair daqui, não aguento mais isso.
- É.. você parece péssimo mesmo. - Disse o pai.
- A comida daqui é uma droga - disse Jonas, desanimado - Eu tô passando mal todos os dias, pai me tira daqui..
Isso não comovia o pai de Jonas, ele nem tocou no assunto mas sabia muito bem que Jonas estava ali porque mereceu. Disse que estava fazendo o que podia e que ele deveria sair em mais uma semana.
Uma semana depois Jonas foi encontrado morto no canto da cela.
Vítima de uma grave infecção sanguínea, a autópsia garantiu que ela havia se infectado antes de ser preso.
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Otávio acordou numa manhã no hospital se sentindo ótimo, até mesmo a infecção de antes parecia não existir mais e ele não se surpreendeu quando o dentista entrou no quarto e sorriu pra ele.
- Otávio, você está novinho em folha! - Disse o dentista, sorridente.
- O que aconteceu? - Perguntou Otávio
- Além do "míssel" que você recebeu na boca? - Perguntou o dentista rindo - Você tinha uma infecção gravíssima Otávio, muita sorte sua termos descoberto há tempo. E da maneira como você evitava ir no meu consultório, eu arrisco dizer que nunca teríamos descobertos se não fosse pelo soco que você levou. Enfim, nada acontece por acaso não é?
- A ana está bem?
- Sim. - disse o dentista - Você foi o único que foi parar no hospital.
- Quanto tempo passou? - Perguntou Otávio.
- Mais de uma semana - Respondeu - Mas não se preocupe, já estão todos cientes no seu trabalho, seus amigos já explicaram tudo para seus superiores.
- Meus amigos.. - pensou Otávio, nunca tinha pensado sobre os colegas do trabalho com essa palavra.
- Você vai receber alta hoje! - disse o dentista.
Quando Otávio abriu a porta para passar pela sala de espera ouviu várias pessoas gritando o nome dele, quando se virou viu Ana correndo até ele, ela o abraçou intensamente beijando-lhe a bochecha, Otávio olhou e logo atrás dela se aproximavam todos do trabalho, todos felizes e comemorando, e mais atrás uma enfermeira desesperada implorando para eles fazerem silêncio.
Todos se aproximaram e ficaram em volta dele, cumprimentando e perguntando se ele estava bem. Um deles falou:
- Nossa, você saiu inteiro depois de acabar com aquele monte de lutadores gigantes?
Otávio ficou rindo, um deles concordou dizendo:
- Caramba, quando a gente chegou tavam só os caras no chão!
- Isso tudo foi pra proteger Ana? Que amor hein? - Disse um deles dando tapas no ombro dele.
Otávio olhou pra Ana e ela ainda estava com o braço direito ao redor do pescoço dele, sorrindo, ficou feliz e pensou que nunca tinha se sentido tão popular..